[FUVEST] VIDAS SECAS
- Débora Pluvie
- 15 de fev. de 2021
- 18 min de leitura
Fala, pessoal.
Hoje a gente vai comentar sobre um livro nada menos que revolucionário. Pega a caneta que lá vem história boa.
“A manhã, sem pássaros, sem folhas e sem vento, progredia num silêncio de morte. A faixa vermelha desaparecera, diluíra-se no azul que enchia o céu. Sinhá Vitória precisava falar. Se ficasse calada, seria como um pé de mandacaru, secando, morrendo. Queria enganar-se, gritar, dizendo que era forte, e aquilo tudo, a quentura medonha, as árvores transformadas em garranchos, a imobilidade e o silêncio não valiam nada. Chegou-se a Fabiano, amparou-o e amparou-se, esqueceu os objetos próximos, os espinhos, as arribações, os urubus que farejavam carniça. Falou no passado, confundiu-o com o futuro. Não poderiam voltar a ser o que já tinham sido?”
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 23. ed. São Paulo: Martins, 1969.

Vidas Secas conta a narrativa de Fabiano, Sinhá Vitória, seus dois filhos - o menino mais novo e o menino mais velho, propositalmente sem nomes definidos, – e Baleia, a magra e companheira cachorra. Essa família, por conta da seca, da miséria e das insalubres condições de vida que desenhavam o Nordeste da primeira metade do século XX, é obrigada a encarar o sertão a pé. Após a sofrida jornada caminhando, Fabiano e os seus encontram uma casa aparentemente abandonada. Um tempo depois, o proprietário do lugar aparece e afirma que para a permanência da família aconteça, eles deveriam trabalhar ali. Dentre inúmeros conflitos externos e psicológicos, esses retirantes passam por uma nova seca naquele lugar – o que esgota as possibilidades de vida naquelas paragens. Desse modo, a família retorna à peregrinação em busca de um futuro alternativo.

Em primeira instância, deve-se perceber que o trabalho de Graciliano Ramos faz parte do grande movimento artístico modernista. Assim, a geração de 1930 – conhecida também por segunda geração – era dotada do objetivo de denunciar as mazelas sociais e estruturais do sertão nordestino.
Nesse contexto, comentar sobre o título Vidas Secas é antecipar toda narrativa e o modo com que essa é construída. O espaço é extremamente sugestivo já que as arribações, os animais, o clima, as construções e toda espécie de vida ali presente são pautadas pela ausência de água.
“Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se: uma sombra passava por cima do monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo aguentando a claridade do sol. (...) suspirando, conservaram-se encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente.”
Além disso, os personagens são construídos de tal modo a não deixar brechas a qualquer tipo de hidratação.
“Nem sempre as relações entre as criaturas haviam sido amáveis. Antigamente os homens tinham fugido à toa, cansados e famintos. Sinhá Vitória, com o filho mais novo escanchado no quarto, equilibrava o baú de folha na cabeça; Fabiano levava no ombro a espingarda de pederneira; Baleia mostrava as costelas através do pelo escasso. Ele, o menino mais velho, caíra do chão que lhe torrava os pés. Escurecera de repente, os xiquexiques e os mandacarus haviam desaparecido.”
A linguagem de Graciliano também sugere a seca – não há floreios, não há muitos adjetivos, descrições e construções linguísticas complexas, ao contrário do que se vê em Guimarães Rosa, por exemplo. Quanto à questão da linguagem, existe uma espécie de crítica velada no livro a partir do fato dos personagens não conseguirem se expressar por meio do verbo. A noção de palavra para esses viventes é tida como algo muito distante de suas realidades e quando há um contato mais claro com a força de expressão, a crítica se torna mais evidente. Veja:
“Vivia tão agarrado aos bichos... Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares. O demônio daquela história entrava-lhe na cabeça e saía. Era para um cristão endoidecer. Se lhe tivessem dado ensino, encontraria meio de entendê-la. Impossível. Só sabia lidar com bichos.”
“Como não sabia falar direito, o menino balbuciava expressões complicadas, repetia as sílabas, imitava os berros dos animais, o barulho do vento o som dos galhos que rangiam na catinga, roçando-se. Agora tinha tido a ideia de aprender uma palavra, com certeza importante porque figurava na conversa de sinhá Terta. Ia decorá-la e transmiti-la ao irmão e à cachorra. Baleia permaneceria indiferente, mas o irmão se admiraria invejoso.”
É impossível comentar sobre Vidas Secas e não conferir mérito à cachorrinha Baleia. Companheira na travessia do sertão, também uma guerreira retirante, Baleia – que tem seu nome por uma ironia já que é magricela – é uma das protagonistas responsáveis por transpor o senso de emoções de todos os personagens juntos. Em um determinado ponto do texto, mais precisamente o nono capítulo, Baleia tem um espaço próprio. Nesse momento, ela se encontra doente e a suspeita é hidrofobia, por motivos óbvios. Assim, “ as chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida”, e já que sua situação ia de mal a pior, Fabiano decide matá-la.
No entanto, Baleia era como uma pessoa da família e isso aparece em diferentes momentos da obra. Fabiano realiza o ofício com tiros, contudo a reação da cachorra é surpreendente, dada a intimidade e amor que conferia à família.
“Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas. [...] nem percebia que estava livre de responsabilidades [...] Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia das mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes."
QUESTÕES
1. (Fuvest 2017) Se pudesse mudar-se, gritaria bem alto que o roubavam. Aparentemente resignado, sentia um ódio imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrão, os soldados e os agentes da prefeitura. Tudo na verdade era contra ele. Estava acostumado, tinha a casca muito grossa, mas às vezes se arreliava. Não havia paciência que suportasse tanta coisa.
– Um dia um homem faz besteira e se desgraça.
Graciliano Ramos, Vidas secas.
Tendo em vista as causas que a provocam, a revolta que vem à consciência de Fabiano, apresentada no texto como ainda contida e genérica, encontrará foco e uma expressão coletiva militante e organizada, em época posterior à publicação de Vidas secas, no movimento
a) carismático de Juazeiro do Norte, orientado pelo Padre Cícero Romão Batista.
b) das Ligas Camponesas, sob a liderança de Francisco Julião.
c) do Cangaço, quando chefiado por Virgulino Ferreira da Silva (Lampião).
d) messiânico de Canudos, conduzido por Antônio Conselheiro.
e) da Coluna Prestes, encabeçado por Luís Carlos Prestes.
TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES:
(...) procurei adivinhar o que se passa na alma duma cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que todos nós desejamos. A diferença é que eu quero que eles apareçam antes do sono, e padre Zé Leite pretende que eles nos venham em sonhos, mas no fundo todos somos como a minha cachorra Baleia e esperamos preás. (...)
Carta de Graciliano Ramos a sua esposa.
(...) Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde sinhá Vitória guardava o cachimbo.
(...)
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.
Graciliano Ramos, Vidas secas.
2. (Fuvest 2018) A comparação entre os fragmentos, respectivamente, da Carta e de Vidas secas, permite afirmar que
a) “será que há mesmo” e “acordaria feliz” sugerem dúvida.
b) “procurei adivinhar” e “precisava vigiar” significam necessidade.
c) “no fundo todos somos” e “andar pelas ribanceiras” indicam lugar.
d) “padre Zé Leite pretende” e “Baleia queria dormir” indicam intencionalidade.
e) “todos nós desejamos” e “dormiam na esteira” indicam possibilidade.
3. (Fuvest 2018) As declarações de Graciliano Ramos na Carta e o excerto do romance permitem afirmar que a personagem Baleia, em Vidas secas, representa
a) o conformismo dos sertanejos.
b) os anseios comunitários de justiça social.
c) os desejos incompatíveis com os de Fabiano.
d) a crença em uma vida sobrenatural.
e) o desdém por um mundo melhor.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Para responder à(s) questão(ões) a seguir, considere o texto abaixo.
Com base numa ideia central de Lucien Goldmann, o crítico e historiador Alfredo Bosi propõe, para a moderna ficção brasileira, enquadramentos como estes:
I. romances de tensão mínima: as personagens não se destacam visceralmente da estrutura social e da paisagem que as condicionam. Exemplos, as histórias populistas de Jorge Amado.
II. romances de tensão crítica: o herói opõe-se e resiste agonicamente às pressões da natureza e da exploração social. Exemplos, os romances de Graciliano Ramos.
III. romances de tensão transfigurada: o herói procura ultrapassar o conflito que o constitui existencialmente pela transmutação mítica ou metafísica da realidade: Exemplos, Guimarães Rosa e Clarice Lispector.
(Apud História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1970)
4. (Puccamp 2016) Na literatura de Gracialiano Ramos, a luta contra as pressões da natureza e da exploração social ocorre de modo exemplar em
I. Sagarana, em que a violência do meio e dos homens traz também consigo um voto de esperança na regeneração do espírito, tal como ocorre com os protagonistas.
II. Caetés, romance em que o autor, retomando a dicção do indianismo romântico, dispõe-se a narrar a saga de uma tribo oprimida.
III. Vidas secas, romance “em quadros”, como já foi classificado, no qual se relata o esforço de sobrevivência de Fabiano e de sua família.
Atende ao enunciado o que está APENAS em
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Leia o texto abaixo para responder à(s) questão(ões)
Omolu espalhara a bexiga na cidade. Era uma vingança contra a cidade dos ricos. Mas os ricos tinham a vacina, que sabia Omolu de vacinas? Era um pobre deus das florestas d’África. Um deus dos negros pobres. Que podia saber de vacinas? Então a bexiga desceu e assolou o povo de Omolu. Tudo que Omolu pôde fazer foi transformar a bexiga de negra em alastrim, bexiga branca e tola. Assim mesmo morrera negro, morrera pobre. Mas Omolu dizia que não fora o alastrim que matara. Fora o 1lazareto. Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos negros. O lazareto é que os matava. Mas as macumbas pediam que ele levasse a bexiga da cidade, levasse para os ricos latifundiários do sertão. Eles tinham dinheiro, léguas e léguas de terra, mas não sabiam tampouco da vacina. O Omolu diz que vai pro sertão. E os negros, os ogãs, as filhas e pais de santo cantam:
Ele é mesmo nosso pai
e é quem pode nos ajudar...
Omolu promete ir. Mas para que seus filhos negros não o esqueçam avisa no seu cântico de despedida:
Ora, adeus, ó meus filhinhos,
Qu’eu vou e torno a vortá...
E numa noite que os atabaques batiam nas macumbas, numa noite de mistério da Bahia, Omolu pulou na máquina da Leste Brasileira e foi para o sertão de Juazeiro. A bexiga foi com ele.
Jorge Amado, Capitães da Areia.
1lazareto: estabelecimento para isolamento sanitário de pessoas atingidas por determinadas doenças.
5. (Fuvest 2016) Apesar das diferenças notáveis que existem entre estas obras, um aspecto comum ao texto de Capitães da Areia, considerado no contexto do livro, e Vidas secas, de Graciliano Ramos, é
a) a consideração conjunta e integrada de questões culturais e conflitos de classe.
b) a reprodução fiel da variante oral-popular da linguagem, como recurso principal na caracterização das personagens.
c) o engajamento nas correntes literárias nacionalistas, que rejeitavam a opção por temas regionais.
d) o emprego do discurso doutrinário, de caráter panfletário e didatizante, próprio do “realismo socialista”.
e) o tratamento enfático e conjugado da mestiçagem racial e da desigualdade social.
6. (Pucsp 2015) O menino mais velho não só é personagem como também empresta o nome a um capítulo da novela Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Das alternativas abaixo, aponte aquela cujo conteúdo FOGE às ações do menino na busca do significado de uma palavra.
a) Envolve-se em um processo de incomunicação, de diálogo impossível, que resulta em violência física, contra a qual nem Baleia é capaz de minorar-lhe a mágoa e a decepção.
b) Vive um episódio que revela a frustração da criança perante o universo adulto, nas condições da vida sertaneja.
c) Insiste com a mãe para saber como é o inferno e, por isso, é repelido pela violência de um cocorote.
d) Quer apenas de Sinhá Vitória que a palavra vire coisa e espera da mãe que ela faça o inferno se transformar.
e) Não acredita que um nome tão bonito sirva para designar coisa ruim e acaba concluindo que o inferno é o local onde vive, cheio de jararacas e suçuaranas, e onde as pessoas recebem cocorotes, puxões de orelhas e pancadas com bainha de faca.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Para a(s) próxima(s) questão(ões), considere o fragmento abaixo, extraído de Vidas secas, de Graciliano Ramos.
O pequeno sentou-se, acomodou-se nas pernas a cabeça da cachorra, pôs-se a contar-lhe baixinho uma história. Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações e de gestos, e Baleia respondia com o rabo, com a língua, com movimentos fáceis de entender.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 57.
7. (Unicamp 2015) No romance Vidas secas, a alteridade é construída ficcionalmente. Isso porque o narrador
a) impõe seu ponto de vista sobre a miséria social das personagens, desconsiderando a luta dessas personagens por uma vida mais digna.
b) permite conhecer o ponto de vista de cada uma das personagens e manifesta um juízo crítico sobre o drama da miséria social e econômica.
c) relativiza o universo social das personagens, uma vez que elas estão privadas da capacidade de comunicação.
d) analisa os dilemas de todas as personagens e propõe, ao final da narrativa, uma solução para o drama da miséria social e econômica.
8. (Fuvest 2014) Considere as seguintes comparações entre Vidas secas, de Graciliano Ramos, e Capitães da areia, de Jorge Amado:
I. Quanto à relação desses livros com o contexto histórico em que foram produzidos, verifica-se que ambos são tributários da radicalização político-ideológica subsequente, no Brasil, à Revolução de 1930.
II. Embora os dois livros comportem uma consciência crítica do valor da linguagem no processo de dominação social, em Vidas secas, essa consciência relaciona-se ao emprego de um estilo conciso e até ascético, o que já não ocorre na composição de Capitães da areia.
III. Por diferentes que sejam essas obras, uma e outra conduzem a um final em que se anuncia a redenção social das personagens oprimidas, em um futuro mundo reconciliado, de felicidade coletiva.
Está correto o que se afirma em
a) I, somente.
b) I e II, somente.
c) III, somente.
d) II e III, somente.
e) I, II e III.
9. (Pucsp 2009) Alguns dias antes estava sossegado, preparando látegos, consertando cercas. De repente, um risco no céu, outros riscos, milhares de riscos juntos, nuvens, o medonho rumor de asas a anunciar destruição. Ele já andava meio desconfiado vendo as fontes minguarem. E olhava com desgosto a brancura das manhãs longas e a vermelhidão sinistra das tardes.
O crítico Álvaro Lins, referindo-se a "Vidas Secas", obra de Graciliano Ramos, da qual se extraiu o trecho anterior, afirma que, além de ser o mais humano e comovente dos livros do autor, é "o que contém maior sentimento da terra nordestina, daquela parte que é áspera, dura e cruel, sem deixar de ser amada pelos que a ela estão ligados teluricamente". Por outro lado, merece destaque, dentre os elementos constitutivos dessa obra, a paisagem, a linguagem e o problema social.
Assim, a respeito da linguagem de "Vidas Secas", é CORRETO afirmar-se que:
a) Apresenta um estilo seco, conciso e sem sentimentalismo, o que retira da obra a força poética e impede a presença de características estéticas.
b) Caracteriza-se por vocabulário erudito e próprio dos meios urbanos, marcado por estilo rebuscado e grandiloquente.
c) Revela um estilo seco, de frase contida, clara e correta, reduzida ao essencial e com vocabulário meticulosamente escolhido.
d) Apresenta grande poder descritivo e capacidade de visualização, mas apóia-se em sintaxe marcada por períodos longos e de estrutura subordinativa, o que prejudica sua compreensão.
e) Marca-se por estilo frouxo e sintaxe desconexa, à semelhança da própria estrutura da novela que se constrói de capítulos soltos e ordenação circular.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Vestindo água, só saído o cimo do pescoço, o burrinho tinha de se enqueixar para o alto, a salvar também de fora o focinho. Uma peitada. Outro tacar de patas. Chu-áa! Chu-áa... – ruge o rio, como chuva deitada no chão. Nenhuma pressa! Outra remada, vagarosa. No fim de tudo, tem o pátio, com os cochos, muito milho, na Fazenda; e depois o pasto: sombra, capim e sossego... Nenhuma pressa. Aqui, por ora, este poço doido, que barulha como um fogo, e faz medo, não é novo: tudo é ruim e uma só coisa, no caminho: como os homens e os seus modos, costumeira confusão. É só fechar os olhos. Como sempre. Outra passada, na massa fria. E ir sem afã, à voga surda, amigo da água, bem com o escuro, filho do fundo, poupando forças para o fim. Nada mais, nada de graça; nem um arranco, fora de hora. Assim.
João Guimarães Rosa. “O burrinho pedrês”, Sagarana.
10. (Fuvest 2009) Quando nos apresentam os homens vistos pelos olhos dos animais, as narrativas em que aparecem o burrinho pedrês, do conto homônimo (Sagarana), os bois de "Conversa de bois" (Sagarana) e a cachorra Baleia (Vidas secas) produzem um efeito de:
a) indignação, uma vez que cada um desses animais é morto por algozes humanos.
b) infantilização, uma vez que esses animais pensantes são exclusivos da literatura infantil.
c) maravilhamento, na medida em que os respectivos narradores servem-se de sortilégios e de magia para penetrar na mente desses animais.
d) estranhamento, pois nos fazem enxergar de um ponto de vista inusitado o que antes parecia natural e familiar.
e) inverossimilhança, pois não conseguem dar credibilidade a esses animais dotados de interioridade.
11. (Fuvest 2008) Considere as seguintes comparações entre "Vidas secas" e "Iracema":
I. Em ambos os livros, a parte final remete o leitor ao início da narrativa: em "Vidas secas", essa recondução marca o retorno de um fenômeno cíclico; em "Iracema", a remissão ao início confirma que a história fora contada em retrospectiva, reportando-se a uma época anterior à da abertura da narrativa.
II. A necessidade de migrar é tema de que "Vidas secas" trata abertamente. O mesmo tema, entretanto, já era sugerido no capítulo final de "Iracema", quando, referindo-se à condição de migrante de Moacir, "o primeiro cearense", o narrador pergunta: "Havia aí a predestinação de uma raça?"
III. As duas narrativas elaboram suas tramas ficcionais a partir de indivíduos reais, cuja existência histórica, e não meramente ficcional, é documentada: é o caso de Martim e Moacir, em "Iracema", e de Fabiano e sinha Vitória, em "Vidas secas".
Está correto o que se afirma em
a) I, somente.
b) II, somente.
c) I e II, somente.
d) II e III, somente.
e) I, II e III.
12. (Fuvest 2007) Considere as seguintes afirmações:
I. Assim como Jacinto, de "A cidade e as serras", passa por uma verdadeira "ressurreição" ao mergulhar na vida rural, também Augusto Matraga, de "Sagarana", experimenta um "ressurgimento" associado a uma renovação da natureza.
II. Também Fabiano, de "Vidas secas", em geral pouco falante, experimenta uma transformação ligada à natureza: a chegada das chuvas e a possibilidade de renovação da vida tornam-no loquaz e desejoso de expressar-se.
III. Já Iracema, quando debilitada pelo afastamento de Martim, não encontra na natureza forças capazes de salvar-lhe a vida.
Está correto o que se afirma em
a) I, somente.
b) II, somente.
c) I e III, somente.
d) II e III, somente.
e) I, II e III.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Texto I
Agora Fabiano conseguia arranjar as ideias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um novilho amarrado ao mourão, suportando ferro quente. Se não fosse isso, um soldado amarelo não lhe pisava o pé não. (...) Tinha aqueles cambões pendurados ao pescoço. Deveria continuar a arrastá-los? Sinha Vitória dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados, machucados por um soldado amarelo.
Graciliano Ramos. Vidas Secas. São Paulo: Martins, 23ª ed., 1969, p. 75.
Texto II
Para Graciliano, o roceiro pobre é um outro, enigmático, impermeável. Não há solução fácil para uma tentativa de incorporação dessa figura no campo da ficção. É lidando com o impasse, ao invés de fáceis soluções, que Graciliano vai criar Vidas Secas, elaborando uma linguagem, uma estrutura romanesca, uma constituição de narrador em que narrador e criaturas se tocam, mas não se identificam. Em grande medida, o debate acontece porque, para a intelectualidade brasileira naquele momento, o pobre, a despeito de aparecer idealizado em certos aspectos, ainda é visto como um ser humano de segunda categoria, simples demais, incapaz de ter pensamentos demasiadamente complexos. O que "Vidas Secas" faz é, com pretenso não envolvimento da voz que controla a narrativa, dar conta de uma riqueza humana de que essas pessoas seriam plenamente capazes.
Luís Bueno. Guimarães, Clarice e antes. In: Teresa. São Paulo: USP, nº 2, 2001, p. 254.
13. (Enem 2007) A partir do trecho de "Vidas Secas" (texto I) e das informações do texto II, relativas às concepções artísticas do romance social de 1930, avalie as seguintes afirmativas.
I. O pobre, antes tratado de forma exótica e folclórica pelo regionalismo pitoresco, transforma-se em protagonista privilegiado do romance social de 30.
II. A incorporação do pobre e de outros marginalizados indica a tendência da ficção brasileira da década de 30 de tentar superar a grande distância entre o intelectual e as camadas populares.
III. Graciliano Ramos e os demais autores da década de 30 conseguiram, com suas obras, modificar a posição social do sertanejo na realidade nacional.
É correto apenas o que se afirma em
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.
14. (Enem 2006) No romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, o vaqueiro Fabiano encontra-se com o patrão para receber o salário. Eis parte da cena:
1Não se conformou: devia haver engano. (...) Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, 2e Fabiano perdeu os estribos. 3Passar a vida inteira assim no toco, 4entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria?
O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda.
5Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso barulho não.
Graciliano Ramos. Vidas Secas. 91a ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
No fragmento transcrito, o padrão formal da linguagem convive com marcas de regionalismo e de coloquialismo no vocabulário. Pertence à variedade do padrão formal da linguagem o seguinte trecho:
a) "Não se conformou: devia haver engano" (ref. 1).
b) "e Fabiano perdeu os estribos" (ref. 2).
c) "Passar a vida inteira assim no toco" (ref. 3).
d) "entregando o que era dele de mão beijada!" (ref. 4).
e) "Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou" (ref. 5).
15. (Pucrs 2006) INSTRUÇÃO: Para responder à questão, analise as afirmativas a seguir, referentes aos romances de Graciliano Ramos:
I. A síntese entre o psicológico e o social, uma característica da obra do escritor, só não se realiza em "Vidas secas", pois o problema vivido pelo protagonista não está diretamente ligado à natureza do sertão nordestino.
II. Em "São Bernardo", romance que tem como cenário uma fazenda, o protagonista Paulo Honório caracteriza-se pela ambição de dominar não só a terra mas também sua mulher.
III. Em "Vidas secas", o drama de Fabiano e sua família é intensificado, entre outros recursos, pelo monólogo interior evidenciado no discurso indireto livre.
Pela análise das afirmativas, conclui-se que está/estão correta(s) apenas:
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.
Gabarito:
Resposta da questão 1: [B]
[Resposta do ponto de vista da disciplina de História]
A revolta que vem à consciência do personagem, na verdade, é o movimento social conhecido como Liga Camponesa. Formadas a partir de 1945, sob liderança, em especial, do advogado comunista Francisco Julião, as Ligas Camponesas brigavam pelo direito do acesso à terra, principalmente. Atuando ativamente entre 1945 e 1964, as Ligas alcançaram seu auge na desapropriação do Engenho Galileia, em Pernambuco, e foram suprimidas pelo governo militar.
[Resposta do ponto de vista da disciplina de Português]
Como o romance Vidas Secas foi publicado em 1938, portanto anterior à eclosão desse movimento, é correta a opção [B].
Resposta da questão 2: [D]
As opções [A], [B], [C] e [E] apresentam frases em que dúvida, necessidade, lugar e possibilidade estão presentes em apenas um dos pares. Somente em [D], os segmentos “padre Zé Leite pretende” e “Baleia queria dormir” indicam, através dos termos verbais “pretende” e “queria”, intencionalidade.
Resposta da questão 3: [B]
O mundo de preás referido na carta de Graciliano e nos “pensamentos” de Baleia antes de morrer representa, metaforicamente, os anseios por uma vida digna, pela justiça social referida na opção [B].
Resposta da questão 4: [C]
As assertivas [I] e [II] são incorretas, pois a obra Sagarana é da autoria de Guimarães Rosa e Caetés, de Graciliano Ramos, distancia-se do estilo indianista ao apresentar personagens enquadrados no seu cotidiano trivial, destituídos dos valores típicos do heroísmo romântico. Assim, é correta a opção [C], pois apenas o item [III] é verdadeiro.
Resposta da questão 5: [A]
Tanto a obra “Capitães da areia” como “Vidas secas” apresentam um aspecto comum: a consideração conjunta e integrada de questões culturais e conflitos de classe. Assim, é correta a opção [A].
Resposta da questão 6: [A]
O menino, diante de sua dúvida com a palavra inferno, sente-se frustrado com a mãe e o pai que se mostram relutantes em lhe definir o verdadeiro sentido da palavra. Triste, vai conversar com Baleia e acaba por concluir que o inferno é um lugar perigoso, cheio de cobras. O menino se abraça à Baleia e começa a divagar sobre o céu e as estrelas, deixando para lá o que deveria ser o inferno.
Resposta da questão 7: [B]
Por obter êxito em colocar-se no lugar do outro, o narrador evidencia o panorama de miséria social e econômica do Nordeste brasileiro durante o período retratado pelo Neorregionalismo defendido pelos escritores da prosa modernista em sua 2ª geração. O meio para retratar tal panorama é apresentar gradativamente a família de retirantes em sua luta pela sobrevivência.
Resposta da questão 8: [B]
Ambos os livros escritos no final da década de 1930 possuem características da corrente literária marcada pela crise econômica mundial de 1929 e à Revolução de 1930, e pela polarização ideológica (extrema esquerda e extrema direita). Assim, a afirmativa [I] está correta.
A afirmativa [II] também é correta. O estilo aplicado por Graciliano Ramos em sua obra é seco, conciso, cooperando para a ambientação do leitor junto ao cenário no qual se passa a história. Jorge Amado, por outro lado, utiliza-se de linguagem coloquial, mais próxima do povo, sem a concisão usada por Graciliano.
A afirmativa [III] é a única incorreta. Ainda que na obra de Jorge Amado alguns personagens alcancem a redenção, como o Professor e Pedro Bala, em Vidas Secas as personagens não alcançam a “felicidade coletiva”, e sim serão oprimidos na cidade grande, dando continuidade ao ciclo de opressão que percorre toda a obra.
Resposta da questão 9: [C]
Resposta da questão 10: [D]
Resposta da questão 11: [C]
Resposta da questão 12: [E]
Resposta da questão 13: [D]
Como se sabe, apesar dos esforços dos governos estadual e federal, a situação social do sertanejo está longe de ser resolvida, o que invalida a afirmação III. O romance social da década de 30, de cunho neonaturalista, afastou-se da predominância da preocupação estética e teve como objetivo principal a denúncia das condições de vida dos pobres que resistiam às pressões da natureza e do meio social, configurando o romance de tensão-crítica de que Graciliano Ramos é um dos maiores representantes. Portanto, D está correta.
Resposta da questão 14: [A]
Em todas as opções existem expressões típicas da linguagem coloquial (“perdeu os estribos”, passar …no toco, “mão beijada”, “amunhecou”) , exceto em A, que apresenta o padrão formal da linguagem. Ao optar pelo padrão culto, “Perdeu o controle”, “resistir às dificuldades”, “sem fazer nenhuma exigência” e “fraquejou” substituiriam corretamente as expressões coloquiais nas opções B, C, D e E, respectivamente.
Resposta da questão 15: [E]
Pessoal, por hoje é isso. Quaisquer dúvidas, apareçam NO INSTAGRAM @PLUVIEDEBORA .
Bjs,
D.P
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