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É SÓ UMA QUESTÃO DE TEMPO (?)

  • Foto do escritor: Débora Pluvie
    Débora Pluvie
  • 14 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

É nessa hora que o bem e o mal não existem. É o perdão súbito, nós que nos alimentávamos com gosto secreto da punição. Agora é a indiferença de um perdão. Pois não há mais julgamento. Não é um perdão que tenha vindo depois de um julgamento. É a ausência de juiz e de condenado.


Ao sair do carro seus olhos me alcançaram e a voz baixa em meu ouvido calou todo medo de esperá-lo sozinha. Baixa, saudosa e conhecida, sua voz ecoou de modo a soprar para longe todo vento que lembrava nosso último encontro, minha mesa para um e seu aniversário.


As coisas não ficaram bem desde então, dado que deixei explícita minha insegurança:


“- Bom, pensei bastante sobre a sua mensagem ontem, bêbado; e é o seguinte: se hoje você está indeciso, eu te respeito e espero que você tenha o mesmo por mim. Então o dia que tomar sua decisão - seja pra ficarmos juntos ou não - você me procura e eu vou te respeitar. Percebi que as tuas indecisões só me fazem mal. Eu fico estagnada porque se conheço alguém legal, mantenho contato, saio, você vai lá e aparece mandando mensagem - o que me desestabiliza completamente; e tenho certeza que isso não acontece de modo contrário. Ambos sabemos que eu te amo, mas preciso pensar em mim. Tem muita gente legal no mundo e eu preciso mesmo me desintoxicar de nós dois, caso você mais uma vez não me escolha. Você acha que não mexeu comigo ver sua foto "mesa pra um" ou saber que você assistiu a um filme e lembrou de mim? Eu ainda não assisti porque não quero ter referências suas por perto. Você mesmo já disse: eu não posso fazer mais nada. Parei pra analisar, de verdade: qual é a parte da nossa relação que me faz bem? Seria a admiração? Mas onde eu fico aí? Eu quero andar de mão dada, ir ao cinema, quero um amor - e isso entre nós dois pode até ser desejo, mas não é amor. Por isso, me deixe caminhar.


-Compreendo. Só quero deixar claro também que não sou só eu quem te manda mensagem, às vezes você também manda pra mim. Mas assim será.


[...]


-Depois desse texto, não tenho muito mais o que falar... Nada será muito relevante.


[...]


- Vai lá, não deixa de sair... Vai ser assim, como combinado. Você segue seu caminho, eu sigo meu e talvez um dia a gente se encontre de novo. Irei torcer por você, pode ter certeza.


- Bom, já passamos por isso outras vezes. Se o que você falaria não vai mudar o que temos hoje, talvez eu prefira não saber.


[...]


- Eles vão se encontrar. Uma hora ou outra esse tal de amor vai apertar o laço. E, pelo que dizem, nó de amor, não há quem desate. É só uma questão de tempo.


[...]


- Tô numa mesa pra um, de leve.


- Faz bem pedir pra um.


[...]


-Sabe qual o peço que eu pago?


-Se você for pra Marte, eu vou.


[...]


-Me espera lá.”


Como ele conseguia, agora, traduzir em seu olhar apertado tantas promessas, de tanto tempo? Apenas duas palavras: estou aqui – e eu sorri de bom grado (e de alívio) ao mesmo passo que suas mãos encontraram meu cabelo. Enquanto nos perdoávamos em silêncio, por vezes eu fechava os olhos, pensando: será mesmo que eu estou aqui?


De fato, é nessa hora que o bem e o mal não existem. Era fácil estar despida de toda vergonha, todo medo, toda mágoa e todo passado. Meu amigo (agora mais amor que amigo) ia me observando com cuidado, olhava pacientemente cada movimento das minhas mãos, cada lágrima que, em segredo, escorria do meu rosto – êxtase?


Nosso encontro às 3h47 da manhã, por mais que tivesse acontecido de súbito, parecia que havia sido combinado por semanas. Assim, tive a sensação de estar fazendo o certo. A amizade de tanto tempo envolveu por horas a fio todo assunto que estava pendente em nossa história, passando pelas incertezas no campo acadêmico às expectativas de nossas famílias.


Em um ambiente confortável e aprazível, tomei coragem e disse, cortando sílabas como detento que confessa um crime: Fala que você não me ama.


É incrível como as palavras são mais livres com um teclado em mãos – o olho no olho é incompreensível, e eu tinha esquecido disso. E então ouvi: - Eu não te amo.


Isso seguido de um beijo tão demorado que parecia durar a eternidade do mais infinito dos tempos. Se você ainda não provou tamanho êxtase é porque nunca viveu um reencontro.


Um reencontro? Eu conto como se este fosse nosso primeiro reencontro. NÃO! Este deveria ter sido nosso milionésimo flashback. Entretanto, quando se ama tanto assim, tudo carece de novas primeiras vezes.


Acredito, pois, que o melhor modo de despistar é dizer a verdade. Por isso, um “amo você” sibilado entre os hiatos de nossos beijos saíram com tal liberdade, caminhando cheio de si pela minha boca. Então, eu estava no deserto. Meus lábios estavam secos e minhas mãos suadas. Eu tinha a eternidade à minha frente e atrás de mim. Eu não estava sozinha.


No meu processo de descoberta, faltava uma voz que me mostrasse o óbvio com um ar de extraordinário; e o óbvio, ali, era a verdade mais dolorosa de se enxergar – nós não ficaríamos juntos, mais uma vez.


Ouvi que meu amor amigo moraria em outro estado por conta de um emprego irrecusável. Ainda pior que a convicção do não e a incerteza de um talvez é a desilusão de um quase. É o quase que sempre esteve a nos seduzir; o viver um amor que sempre esteve à beira. Pense bem: quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu ainda está vivo, quem quase amou, não amou.


Então, sem entender o que a vida esperava de mim naquele momento... “then he kissed her. At his lips touch she blossomed for him like a flower and the incarnation was complete.”


Eu sabia que quando o beijasse novamente, estaria para sempre ligada àquele momento.


Então eu parei.


Eu parei; e esperei.


Esperei por mais um breve suspiro.


Eu sabia que me entregar desse modo a um amor tão grande poderia mudar meu destino, meus planos, minhas aspirações. Meu corpo, ali, uniu-se aos nossos instintos de maneira tal a abandonar toda uma vida de quases – assim eu me entreguei; e tudo parecia fazer sentido.


Até então.


Quase.



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"Acordar não é de dentro.

Acordar é ter saída.'

João Cabral de Melo Neto

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