[FUVEST] RESUMO “O Cortiço”
- Débora Pluvie
- 15 de ago. de 2018
- 5 min de leitura

"E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, a multiplicar-se como larvas no esterco."
Enredo e análise:
Considerada a grande obra do Naturalismo no Brasil – um braço do Realismo – , comparada aos clássicos de Émile Zola e Eça de Queiroz, O Cortiço, de Aluísio Azevedo, aparece como uma denúncia chocante e sedutora ao universo popular no Rio de Janeiro do século XIX. O romance de Aluísio narra acontecimentos que permeiam primordialmente dois eixos, cada um deles girando em torno de um imigrante português, João Romão e Miranda. João veio ao Brasil em busca de uma vida melhor, mas se torna funcionário em um estabelecimento de um português – vivendo em miséria. Quando o dono resolve voltar a Portugal, deixa o lugar como uma espécie de pagamento pelos atrasados devidos a João. Esse, ambicioso, faz de tudo para ficar rico:coloca preços altos, dá trocos errados, e se aproxima de Bertoleza – uma quitandeira escrava. João vai morar com ela e passa a administrar suas vendas – se aproveitando dela – e, juntos, conseguem o dinheiro para comprar um grande terreno onde vai construir casebres com alugueis. A ideia é que o dinheiro de quem morasse lá circularia ali mesmo – no aluguel, na quitanda e na vendinha. Logo após, João Romão também compra uma pedreira – visto a necessidade de materiais para a construção dos casebres. Observe a maneira com que a pedreira, extremamente relevante ao enredo, aparece no texto: “A pedreira mostrava nesse ponto de vista o seu lado mais imponente. Descomposta, com o escalavrado flanco exposto ao sol, erguia-se altaneira e desassombrada, afrontando o céu, muito íngreme, lisa, escaldante e cheia de cordas que mesquinhamente lhe escorriam pela ciclópica nudez com um efeito de teias de aranha. Em certos lugares, muito alto do chão, lhe haviam espetado alfinetes de ferro, amparando, sobre um precipício, miseráveis tábuas que, vistas cá de baixo, pareciam palitos, mas em cima das quais uns atrevidos pigmeus de forma humana equilibravam-se, desfechando golpes de picareta contra o gigante.” Aluísio Azevedo O cortiço. São Paulo: Ática, 2009. Existe aqui um tipo de alusão ao corpo humano, como se a pedreira tivesse vida e existência próprias. Nesse momento, a pedreira encara um gigante duelo com os trabalhadores descritos como “uns atrevidos pigmeus de forma humana” que desfechavam golpes de picareta contra ela. Trata-se, então, de personificação, prosopopeia ou animismo o fenômeno descrito. Nesse contexto de ambições e frustrações chegando ao caminho da sobrevivência, a impressão que se tem, a partir da narrativa de João Romão, é a supervalorização do português e detrimento do brasileiro. O brasileiro é retratado como preguiçoso, inferior, cheio de vícios, diferentemente do português. O “microcosmos” do cortiço, desse modo, é composto por lavadeiras, bandidos, prostitutas, homossexuais – todos estigmatizados e marginalizados. Assim, o determinismo é elemento chave para a leitura e compreensão do texto – já que esse consiste no princípio segundo o qual tudo no universo, até mesmo a vontade humana, está submetido a leis necessárias e imutáveis, de tal forma que o comportamento humano está totalmente predeterminado pela natureza, e o sentimento de liberdade não passa de uma ilusão subjetiva. Ou seja, todos os personagens e elementos ali presentes estão determinados a viverem, ou melhor, sobreviverem naquele contexto.
Outro eixo significativo pertencente ao enredo é o personagem Miranda, português que chega ao Brasil com sua filha e sua esposa adúltera. Por já ser um português com uma situação financeira mais digna que João Romão, desperta a rivalidade de João – que constrói o cortiço bem ao lado da propriedade de Miranda. A alternativa de João é propor um casamento à filha de Miranda – o que para ele, era aparentemente coerente, não fosse a presença de Bertoleza. Assim, sem coragens de se livrar da escrava com suas próprias mãos, a entrega para os antigos donos. Na cena, quando reconhece o filho mais velho de seu dono, o primeiro impulso de Bertoleza é fugir, mas vendo-se encurralada, desespera-se e em um único golpe firme e certeiro rasga seu próprio ventre com a mesma faca que limpava peixes minutos antes. João Romão assiste a tudo e, nesse momento, uma carruagem para na porta do armazém trazendo uma comissão de abolicionistas que vinham entregá-lo um título de sócio benemérito – explicitando uma espécie de ironia, visto o destino de Bertoleza. Comenta-se sobre as tramas que permeiam o cortiço, quando o próprio cortiço é o protagonista – dá-se o nome de romance de espaço a tal configuração. Como características peculiares pertencentes ao naturalismo, de um lado, há a personificação do cortiço – sendo uma espécie de entidade com vida própria no caos carioca do século XXI. “Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo.” Por outro, existe a animalização dos personagens, extinguindo todo senso de dignidade humana e atribuindo instintos e não vontades a essas pessoas. Não existia naquele espaço a definição de vida, mas de sobrevida. Veja: “Também cantou. E cada verso que vinha da sua boca de mulata era um arrulhar choroso de pomba no cio. E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de cobra.” O romance tese de Aluísio Azevedo constrói em seus personagens tipos sociais bastante delimitados, como João Romão encarnando o capitalista explorador; Miranda, o burguês; Bertoleza, a trabalhadora; Rita baiana, a mulher brasileira, etc. Vale a pena destacar que o texto é permeado de descrições dotadas de cientificismo – já que o próprio estilo de época permitia e abraçava esse recurso. Falar sobre naturalismo é expor, de modo empírico e científico as mazelas sociais, é utilizar uma linguagem que choque e denuncie. Desse modo, a seleção natural de Darwin; o determinismo, de Taine e o Positivismo, de Comte são os preceitos que sustentam esse trabalho de linguagem. Valoriza-se, além disso, coletivo - não há individualidade nas caras que passam pelo enredo – mais um tópico referente ao naturalismo. Todos os personagens são frutos do mesmo meio – o cortiço. O narrador onisciente, quando conta a história consegue penetrar na mente dos personagens de modo a desvendar as suas características coletivas. Por fim, existe uma linearidade no que diz respeito ao quesito tempo na obra já que existe início, meio e fim. Vale lembrar que a narrativa focaliza os anos que antecedem a abolição da escravatura, 1888.
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